terça-feira, 1 de julho de 2014

UMA VIDA A FAZER RETRATOS DA VIDA. (1)

                    
                Como foi aqui no doLethes divulgado recentemente, o caderno de anúncios referente às Festas do Senhor do Cruzeiro e das Necessidades do ano corrente, que vem sendo distribuído pela Comissão desde há dias, contém um trabalho da minha autoria o qual trata alguns aspetos biográficos da vida de José Esteves Fernandes, o fotógrafo a la minuta conhecido na nossa comunidade por Zé Retratista, falecido no último ano.

                  Dado que o número dos exemplares daquela publicação em papel é reduzido e dificilmente chegará ao conhecimento da maior parte dos lanhesenses, principalmente aqueles que vivem fora do país, entendi divulgar o trabalho no doLethes, disponibilizando-o a um número mais alargado de interessados.


                


               Por ser relativamente extenso, pareceu-me conveniente divulgá-lo em três espaços de tamanho aproximado, os quais serão inseridos a partir de hoje e nos próximos dias. Na último publicação será incluído um vídeo inédito sobre o José Esteves,  registado poucos dias antes do seu apagamento.

               As fotos aqui inseridas podem não coincidir com as que constam da publicação em papel.

             

       









                          
                              O ZÉ RETRATISTA 
Por: Remígio Costa.

 
  
 Quem tivesse vindo a seguir o meu blogue doLethes (www.dolethes.blogspot.com) desde há alguns anos, conhece alguma coisa desta personagem sui generis que os lanhesenses identificam pelo epíteto de Zé Retratista, através dos escritos que lá foram divulgados e das fotografias que neles inseri.


           Desde muito novo que me acostumei a ver no José Esteves, José Fernandes Esteves de seu nome inteiro, qualidades pouco comuns na generalidade dos companheiros da nossa geração. Não éramos do mesmo ano de nascimento nem pertencíamos ao mesmo grupo de amigos das brincadeiras de infância – os lugares onde crescemos são afastados- mas, testemunhei algumas das suas práticas inventivas originais que revelavam a criatividade e a inteligência inatas que o distinguiam dos demais.

Uma vez, construiu uma caixa em madeira em tudo idêntica à máquina fotográfica de tripé do pai, fotógrafo a la minuta de profissão, e usou-a como projetor de imagens colocando dentro uma lâmpada de lanterna abastecida com um pilha quadrada de nove voltes, fazendo passar manualmente à frente da luz e de uma lente, tiras de vidro que sobravam dos cortes das peças maiores na vidraria da Casa Agra, onde, previamente, tinha desenhado figuras a tinta-da-china que apareciam projetadas no fundo branco de uma parede. Estávamos nos anos quarenta, é preciso notar, ainda Manoel de Oliveira andava a dar as primeiras maniveladas na sua máquina de filmar!

Gostava também de fazer aplicações curiosas na sua bicicleta criando um luz intermitente nas rodas em movimento servindo-se da corrente produzida pelo dínamo.

A divulgação dos episódios atrás descritos é relevante para ajustar e melhor clarificar a figura singular que foi o Zé Retratista e traçar em linhas direitas o espaço que preencheu no decorrer dos setenta e oito anos em que fez parte da nossa vivência comum.

O José Esteves colheu do pai a tradição e arte de fotografar a la minuta e com ela a opção de vida dos seus progenitores. Dir-se-ia, que, ele, e a irmã, viriam a configurar o retrato fidelíssimo do peculiar papel que os pais tiveram no relacionamento com a comunidade, o qual se restringia aos contactos inevitáveis que as precisões triviais do dia-a-dia não dispensavam. O pai Esteves não mostrava apetência pela convivência em sociedade, não intervinha ou participava em ações ou iniciativas de natureza cívica, vivia aparentemente alheio ao que se passava fora da sua privacidade familiar, transmitindo dela a impressão de rigorosa imposição do seu modo de ser em relação aos que dele dependiam.

 Toda a família do Zé Retratista vivia da atividade fotográfica que exercia quer na casinha caiada a branco onde viviam na encosta nascente do Lugar do Outeiro onde o sol chega do alvorecer do dia, quer nas festas e romarias onde montavam tenda, sempre repetindo o local. Trabalho pequeno, porque o dinheiro a circular era escasso e fotografias só mesmo nas ocasiões mais requerentes: para documentos, alguns casamentos, batizado, numa festa em fato novo, um grupo de amigos ou data especial ou de uma jovem para oferecer ao primeiro namorado ou vice-versa. Tudo em doses mínimas. O Zé, a irmã, e a mãe colaboravam e, nos intervalos das idas ao encontro do trabalho onde calhava, tratavam da horta e da capoeira na cerca da habitação, palmo e meio de terreno arável onde cresciam uma laranjeira e uma ou outra árvore de fruta com um canteiro a fazer de jardim.

Tudo poderia ter sido diferente se tivesse vingado o propósito do Zé Retratista em desligar-se da corrente onde estava preso e fosse estabelecer-se por conta própria num estúdio aberto no Largo Capitão Gaspar de Castro, local onde esteve a atual farmácia e é, presentemente, uma peixaria, estava a meio o século passado. A loja tinha clientes, bem situada, o Zé tinha sempre retratos a fazer e a iniciativa parecia ter futuro. A parentória recusa em aceitar aumento da renda proposto pela senhoria, acabou abrutamente com o rumo auspicioso que se almejava viesse a consumar-se.

Gorada a experiência de se autonomizar da tutela familiar, o José Esteves regressou à atividade fotográfica popular operando no domicílio ou em eventos para que era apalavrado. Nas romarias e feiras, a barraca da Foto Esteves de pano às riscas e tela de fundo com pintura naif, tinha sempre uma fila à espera da vez para tirar o retrato. A preto e branco, que a cor só umas semanas mais tarde quando o Zé tivesse tempo para as aguarelar a pincel e era vontade do cliente.

(CONTINUA)

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