A PÁSCOA NA TRADIÇÃO DE LANHESES
A Páscoa de outrora agitava de
um modo muito intenso o torpor dos duros meses de inverno a que as famílias estiveram
sujeitas e que acabava de terminar, sendo a partir desse momento motivo de
conversas e planos a cumprir. Havia que cuidar de reparações e da caiação das
casas, engordar o cabrito para o jantar da Páscoa, regularizar as obrigações paroquiais
, comprar cadeiras novas e uma peça de mobília na feira em Ponte de Lima, pôr a
arejar roupas de vestir e toalha de receber a Cruz e cobertores das camas, preparar-se
para o confesso e, até determinada altura, “ir à desobriga”, isto é, poder ser interrogado
pelo pároco da freguesia sobre o estado em que se mantinham os seus
conhecimentos sobre a doutrina da Igreja, numa reunião conjunta dos avaliados. Ninguém se atrevia a submeter-se ao “exame”
sem saber, na ponta de língua tudo que aprendera na catequese se não quisesse passar por uma
vergonha vexante.
Na Semana Santa, nas casas que
se dispunham a abrir as portas ao Compasso, instalava-se um reboliço, dos
grandes: móveis deslocados sem critério, chão de soalho esfregado de joelhos a escova de
piaçaba e sabão rosa, cortinas retiradas para lavar no tanque, jarras compostas
com novas flores e vasos novos para outras, objetos deslocados para lugares inabituais, fazer provisão de
comida para os vivos, certificar-se
de que as galinhas puseram as ovos necessários para consumo da casa e para
colocar no prato em cima da mesa da sala onde viriam a ser recolhidos pelas
acompanhantes do Compasso, prover que não faltasse a garrafa de “vinho fino” "Três Velhotes" e
as bolachas para as visitas, a caneca do verde tinto ou branco, as tijelas onde ele crepitava, uns trocados
para o miúdo da bolsinha de cor roxa e,
impreterivelmente, e mais modernamente, os sobrescritos devolvidos com um valor
secreto dentro, um para o pároco residente outro destinado ao mordomo da Cruz.
As jovens raparigas e os
rapazes pensavam nas costureiras e nos alfaiates, na escolha do tecido e na
fazenda para o vestido e fato a estrear comprados atempadamente,
ir ao alfaiate tomar medidas e provar duas ou mais vezes,ao mesmo tempo que se iam avaliando reciprocamente à socapa com vista a entendimentos futuros,
nos encontros que ocorriam nos dias santos antecedentes. Era certo que muitos iriam
falar-se no Dia de Páscoa e encetar namoro e, infeliz daquela ou daquele, que,
no final da bênção na Igreja no encerramento da visita, não tivesse ido para
casa acompanhado do par escolhido.
Os mais novinhos não dormiam
na semana da Páscoa, ansiosos e expectantes com as emoções que esperavam
experimentar e, mal despontava o dia, estavam a caminho da Igreja para aguardar
a saída da comitiva pascal para a visita. Seguiam atrás da comitiva e, dentro ou fora das
casas onde a visita decorria, disputavam
em bulhas rijas as amêndoas e rebuçados que alguém os arremessava por cima das
suas cabeças.
Nos novos tempos já pouco é
igual ao que foi outrora no aspeto mais mundano e social da festa pascal. Alguma
coisa se mantém ainda na traição lanhesense sendo certo que a saída do Compasso
se mantém, como então. Porém, são cada vez menos as portas que se abrem para O
receber e, ao inverso do que era natural e prática inalienável da maior parte
das famílias há anos atrás, são já muito poucas as que voltam expressamente a
esta terra para aqui viver em comum a Ressurreição de Cristo, crescendo progressivamente o número daquelas que
aproveita esta quadra para passar férias noutras paragens.
Hoje, poucos compreenderiam que
houve tempos em que se discutiu passar para três, em vez dos dois que
continuam a praticar-se, os dias
necessários para fazer, aqui em Lanheses, a visita pascal, que, hoje, sem alguma aflição se poderá realizar em apenas um.
Sinal dos tempos.
É a vida.
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