sábado, 23 de abril de 2011

NUM DIA DE PÁSCOA, HÁ MUITO TEMPO.

            Muitos tracinhos estão já assinalados no mapa do tempo a contabilizar os anos passados sobre o episódio que marcou um dia de Páscoa do início da década de quarenta, era eu ainda um miúdo à procura do meu espaço de aprendizagem fora do ambiente familiar, por isso muito vulnerável aos comportamentos dos que, dentro em breve, seriam os meus companheiros da escola e parceiros na convivência em comum da vida na juventude.

            Alfaiate de profissão (exímio como vim depois a saber), o meu pai prendara-nos, a mim e aos meus irmãos, com uma fatiota nova a estrear no dia de Páscoa que eu, ainda mal rompia o dia e num alvoroço de incontida emoção, me aprestei a vestir e, mal almoçado que a ansiedade era muita, lá me dirigi para a Igreja a tempo de ver o Compasso sair na sua tradicional visita às casas da aldeia.
             Logo ali ao pé, a primeira visita era a de um tio meu e sentia-me quase em casa, pouco preocupado em disputar as guloseimas com a voracidade e impetuosidade dos meus futuros concorrentes. O docinho branco que me coube em mão e os rebuçadinhos envoltos em papel de cores variadas de papel afiche que uma prima me meteu no bolso, foram o estímulo que me traiu e levou, contrariando as recomendações maternas que recebera quando saí de casa, a continuar atrás da comitiva do Compasso engrossando o grupo do bando dos putos, a quem a minha presença parecia nada preocupar, ainda que não me tivesse apercebido de alguns sorrisos irónicos e misteriosos...
             Casa a casa, sempre à porta ou no início das escadas (só os mais afoitos se aventuravam por entre as pernas dos adultos a chegar lá dentro), esperávamos ver surgir o prato mágico das amêndoas, rebuçados e, uma ou outra vez, como se fosse um troféu, um cromo raro em falta na colecção, também um doce branco. Um tanto por não ser prudente, naquelas circunstâncias, uma distribuição equitativa individual, o costume era atirar para longe o conteúdo apetecido do folar pascal assim oferecido às crianças, resultando disso que elas se atiravam para a recolha do maior número possível sem preocupações do local onde caíam e sem cuidarem de se resguardarem das investidas dos demais concorrentes, competidores experimentados e peritos no "chico-espertismos" das jogadas do vale-tudo.
              Ia a Páscoa (como dizíamos, nós os miúdos), tlim, tlim, tlim, na casa das Teresas (hoje tem outro proprietário), e o aperaltado iniciado na competição de apanhar do chão a guloseima lá seguia, agora um pouco mais afoito e despreocupado quanto ao zelo a que estava sujeito em manter impecável a estimada fatiota nova. Como já descrevi, o magote da maralha alinhava cá fora, olho na porta à espera da distribuição aérea da provisão apetecida, ombro com ombro para ganhar posição privilegiada e chegar primeiro, qual ave de rapina na caça da presa. Vem no ar a primeira remessa e, dando um salto, pensava ter ganho a posição favorável para chegar ao troféu, quando, nas minhas costas senti um encontrão que me lançou para a frente, de bruços, estatelando-me num charco fétido de estrume animal!
              Imagine-se o estado deplorável em que tive de enfrentar os meus pais quando cheguei a casa, mal contendo as lágrimas e furioso comigo pela esparrela em que caira, depois de ter sido o alvo da risota da maralha impiedosa a que se juntou, vejam só, uma plateia de adultos presentes a rir à gargalhada deliciados com espectáculo a que tinham acabado de assistir. À minha custa.

            
             Agora, tantos anos passados sobre este episódio caricato, não deixo de o recordar como um dos momentos insólitos da minha infância que mais me marcaram e que frequentemente recordo quando intento evocar a memória dos meus queridos pais.

              Gostaria de partilhar com todos os meus familiares, amigos e os que, muito amavelmente, me acompanham no dia-a-dia da vida social e aqui, no Dolethes, esta magnífica "Aleluia" na excelente interpretação de Bon Jovi.

               FELIZ PÁSCOA, PARA TODOS.

            

3 comentários:

  1. Deliciei-me a ler este seu texto. AH ah ah, caíu bem na esparrela Sr. Remígio! Muito bem escrito o artigo a evocar memórias antigas e como se viviam os tempos de Páscoa em Lanheses.

    Boas Páscoas para si e sua família.

    Sérgio

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  2. Sr. Remigio:
    Uma Páscoa muito Feliz para si e para a família.
    Gostei muito do seu texto. O senhor descreve muito bem situações veridicas. Pode ser que um dia faça uma compilação dos seus melhores textos e os faça publicar. Era bom para Lanheses.
    Um grande abraço
    Amaro Rocha

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  3. Sérgio Moreira
    Amaro Rocha

    Agradeço as v/palavras amigas e os votos que formulam, retribuindo com o maior gosto os desejos de uma Páscoa Feliz, na companhia daqueles de quem mais gostais.

    Um abraço muito amigo, para ambos

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