segunda-feira, 5 de abril de 2010

PASSADO E PRESENTE DA PÁSCOA EM LANHESES

     
         A chegado do compasso

  Tinha uma vaga vontade de escrever algo sobre a visita pascal que agora decorre numa tentativa inútil à partida, de poder relacionar alguns traços do que ela foi no passado com a realidade do presente. Porém, condicionado pelo humor numa fase desmotivadora a que não era alheia uma gripe no pico, não levei a ideia por diante e fiquei em casa cedendo ao bem-bom do sofá, abandonando o propósito de voltar a Santo Antão e Corredoura, a pé, para reconstituir a memória dos momentos vividos em anos há muito passados.. Hoje, já mais liberto das causas da minha moleza, quiçá  influenciado pelo sol brilhante do primeiro dia verdadeiramente primaveril deste ano, aqui estou para falar, então, da Páscoa de Lanheses.
Dar a Cruz a beijar aos presentes
    
         No que aos aspectos da tradição religiosa diz respeito, o ritual não mudou significativamente: mantém-se a composição do séquito que percorre a freguesia integrando o pároco (se não houver impedimento, no que será substituído por um leigo, de preferência estudante no seminário), o mordomo que carrega a cruz, o rapaz da caldeira da água benta, mais um outro jovem encarregado da campainha que anuncia a marcha (não me apercebi este ano da sua presença), uma pessoa que recolhe donativo em dinheiro (quase sempre em moedas) do dono da casa destinado aos pobres e, por último, o responsável pela recolha dos dois sobrescritos com as comparticipações confidenciais pecuniárias a favor dos pároco e mordomo da cruz.
       Familiares
       
        Se, no figurino actual, as diferenças com o passado não são relevantes, há alterações que foram introduzidas para se ajustarem à evolução da própria sociedade. Assim, apareceram os sobrescritos (salvo erro, implantados no costume pelo falecido pároco da freguesia Manuel Araújo Franco de Castro nos anos sessenta) que visaram substituir a oferta em espécie até então em uso, a qual era feita em ovos e doces brancos de gema, em número de meia dúzia e quatro, respectivamente, para o prior, recolhidos por duas moças vestidas à lavradeira, de cestos de vime à ilharga ou na cabeça e mais tarde postos de novo no mercado em lojas da especialidade.
           O Luís, concentrado, a aprender.  
          
           No comportamento social é onde as diferenças mais se fazem sentir. O acesso fácil ao automóvel levou a que as famílias, ao contrário do que acontecia no passado, deixassem de emprestar ao percurso do compasso o ar de romaria, por o não fazerem actualmente a pé mas dentro das suas viaturas, estacionando ao longo do trajecto previsto para o compasso, em sucessivos ajustes de posições, dormitando ou conversando dentro delas. É um pára arranca de entupimento do trânsito monótono e de estupor acentuado, longe da alegria de outrora que emanava da procissão já ao cair do sol em direcção à Igreja para a benção final, altura em que os moços ganhavam coragem para acompanhar a rapariga que tiveram debaixo de olho durante a tarde inteira, senão nos dias e semanas que precederam a Páscoa, iniciando um namoro muitas vezes levado até ao altar.
Sobrinhos e primos.

           Também já não é possível estabelecer qualquer semelhança com o passado no que é oferecido, em muitas casas, pelos visitados aos familiares, amigos ou qualquer outro cidadão que apareça e, afoito e descontraído, assuma o papel de "penetra" . São autênticos banquetes, em abundância e variedade de iguarias, que vão do marisco ao caviar, passando pela lampreia e o cabrito assado, doces de fabrico caseiro, queijos variados, pão de ló, chouriço e presunto, para gáudio de uma pequena multidão de participantes muitas vezes ocasionais, antecipadamente convidados outros, onde se come "à tripa forra" e bebe à descrição do "bom e do melhor", toda a espécie de bebidas incluindo o bom champanhe francês. Não será de excluir nesta atitude desproporcionada e dificilmente sustentada durante muitos anos seguidos, a existência de um surdo sentimento de competição e capricho entre famílias que julgam encontrar, deste modo, maneira de fazer constar a sua solidez económica  esperando, com isso, ver diluída no tempo a memória de um passado recente bem menos fácil de assumir.
          Quem se lembra já, da mesinha de toalha rendada de linho branco estendida, com os pratos dos ovos e doces de gema brancos entremeados de alguns amarelos, das bolachas à míngua, dos rebuçados e beijinhos atirados a esmo para o meio do grupo de crianças que seguiam de casa em casa o séquito pascal, da garrafa de vinho do porto "Três Velhotes"  com os dois pequenos cálices alinhados ao lado para obsequiar, em primeiro lugar, o "senhor abade" e o "senhor mordomo", da caneca de vinho tinto com o guardanapo a prevenir o derrame indevido no chão lavado na véspera, do beija mão das crianças ao senhor padre?
          O sacerdote (Padre Daniel) e as crianças.
       
          O percurso do compasso entre nós dura dois dias. No primeiro, o domingo, é preenchido com a metade norte da freguesia (a parte alta) e, o segundo, na segunda-feira, desenrola-se na metade a sul, mais próxima do rio Lima. A minha residência situa-se na última e a visita ocorreu já depois das vinte horas. O estralejar dos foguetes que, no momento em que escrevo, se fazem ouvir assinalam o fim da celebração pascal na freguesia em 2010. São 22 horas menos cinco minutos.
           Até para o ano. 

           
           
           Ao lado: mais familiares








                     Horas antes: visita ao Manuel Vale

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