quarta-feira, 4 de novembro de 2009

CARAMURU


           Tendo nascido numa aldeia pertencente ao concelho de Viana do Castelo, a cidade sede do distrito representou sempre, para mim, um sentimento de grande afectividade e de enorme orgulho, alimentados pela vivência quotidiana de muitos anos iniciada desde a adolescência, até hoje. Por isso, interesso-me por tudo o que a ela diz respeito, estando particularmente atento ao seu desenvolvimento e evolução do espaço urbano, à sua criatividade cultural e recreativa, à actividade política e ao eco que dela se vai fazendo nos media, locais e/ou nacionais.
           Antes de começarem a circular pela cidade os autocarros de transportes urbanos de passageiros amigos do ambiente, nunca tinha visto escrito ou ouvido falar de CARAMURU. Quando, pela primeira vez, me cruzei com um daqueles veículos a quem tinha sido atribuída tal designação fiquei algo surpreendido, inicialmente, com a bizarria do nome, depois, com curiosidade de saber mais sobre a personagem de quem nunca ouvira falar.
           Com os parcos meios que tenho ao meu alcance lá fui descobrindo tratar-se de um marinheiro vianense, que em meados do Séc XVI, estando embarcado ao serviço de uma nau que navegava perto da costa brasileira, sofreu um naufrágio e, ao contrário de todos os outros que constituiam a tripulação da embarcação, cuja sorte foi ir parar ao estômago dos indígenas, logrou escapar ao mesmo destino usando o estrondo provocado por um fusil de que se munira e levara para a floresta aonde se embrenhara, para cumprir um desígnio bem menos inglório.
            Fosse pela magia do bacamarte ou por outras virtudes que posteriormente viria a evidenciar, facto é que conseguiu o nosso antigo conterrâneo cativar as boas graças de uma linda nativa (já, naquele tempo, as havia como facilmente se constata  na descendência actual, abundantemente representada no desfile do Carnaval carioca ou nos bares de alterne por esse país fora... ) e, necessariamente, do chefe da tribo a que ela pertencia, obtendo assentimento para com ela se casar. Juntos, pois, os trapinhos (se é que eles os usavam vivendo na mata, a história não desce a esse pormenor) o nosso CARAMURU deu início, sem detença e não pequeno afã, à criação de numerosa prole não tendo grande cuidado com o ser ela apenas da legítima ou de outras abundantes e irresistíveis opções que a sua disponibilidade e perícia no bom uso das armas, consentiam. Não surpreende, por isso, que tão agradável como profícua actividade resultasse num aumento substancial de uma população miscigenada com (muito) sangue vianês e que é hoje a característica mais destacada da população da grande nação brasileira (ou, para não exagerar, pelo menos na cidade que veio a surgir pela sua influência).
             Mal pareceria, por isso, que Viana não prestasse a devida e justíssima homenagem a quem tanto se afadigou em dar continuidade à antiga tradição minhota, hoje um tanto negligenciada, de constituir proles como quem cria equipas de futebol e respectivos suplentes.
             Para reparação de tão censurável lacuna foi encomendado a escultor de grande mérito e talento inquestionáveis, autor já representado, com aplausos tão audíveis que abafam pífidas discordâncias dos eternos contestatários os quais, nestas alturas, vêm sempre a terreiro azedar os festejos, um imponente monumento onde estão representados o casal de heróis e a floresta onde a sua épica acção se desenrolou. E, melhor sítio para o implantar, não havia  na Princesa do Lima: a Praça da República, ou da Raínha como antes era conhecida.
              Tudo parecia, para mim, pacífico e cordato, em consonância com o carácter manso e tolerante da minha querida Viana, não fora um trabalho publicado recentemente na AURORA DO LIMA,(28.10.2009, de Paulo Caldeira) cuja idoneidade não posso pôr em causa, vir abalar a minha auto estima de minhoto da fila da frente, com a revelação de que CARAMURU, afinal, não nasceu em Viana do Castelo, nem sequer no Minho e não teria jamais direito a possuir cartão de cidadão português, mesmo que ao tempo já existisse, pois na realidade é ESPANHOL, ainda que da Galiza, que é o que normalmente são todos os espanhóis que nascem na Corunha.
               Ai, que falta fazia agora aqui o Fernando Pessa, de quem, com a devida vénia, recordo o seu
        - E esta, hein?!

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